
"O primeiro filósofo que li, o dinamarquês, Sören Kierkegaard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu,menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles:cariocas, espertos, bem-falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre:entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar.Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles.Nunca convidei nunhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. Nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais meu sofrimento, seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, fazia sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...
A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena(fantasiada) dos outros, em celebrações cheias de risos...
Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira."
Rubem Alves
Do livro:Palavras para Desatar Nós-Rubem Alves
Ed.Papirus Trecho da crônica-A solidão Amiga-Pág.114/115